sábado, 6 de novembro de 2010

a Casa móvel de um dono inquieto - conjecturas de semáforo

Reações contraditórias. 
Ali, naquela avenida movimentada, acompanho um morador em situação de rua. Está com um carrinho, daqueles que avistamos sempre com os catadores de papelão.  Em um primeiro momento, o transformo em um também.  A garoa fina começa... É sábado. Pensamentos surgem nebulosos por mim e, por fim, decidem entrar. Cogito questões, para alguns, incogitáveis.  Aquele homem ali parado, de repente, e eu o observo como uma gatuna, retira um copinho de plástico, deixa escorrer suavemente pelo gargalo da garrafa pet o leite mais branco que já vi e inicia o seu café da tarde, acrescentando um pedaço de pão. Sua casa, e é assim que devo chamar, está toda ela naquele carrinho, diante de mim! Seu café, seu almoço e seu jantar.  Atentamente observo, ali estão também seus cobertores, logo, sua cama, como não? Minha vista arde perdida na casa alheia e o invado, mal educadamente, como se eu possuísse esse direito; como se eu me sentisse também à vontade se alguém olhasse dentro da minha casa contemplando minhas idas e vindas. Aqui me defendo:  minha casa tem paredes, portões. "E daí?" Outro lado de mim se coloca como promotor. Calo as vozes. E, aí está o incogitável. Esse morador em situação de rua, penso cá com minhas marias-chiquinhas, poderia, em algum momento de sua vida, ter se sentido impelido, dado ao provável fracasso, a se jogar de sobre a ponte, em frente aos carros, ou de algum prédio público, que seja! Entretanto, milagrosamente, ele estava ali, há poucos metros de mim, lutando para sobreviver. Julgo que bem ou mal, e talvez não sejam julgamentos meus, talvez, sejam seus pensamentos que invadiram-me os meus, ele tenta sobreviver. Seus gestos mostram uma família tão complexa, composta por células de exóticas formas, lutando para que ele viva um pouco mais. Algo dentro de si o impulsiona, ora de maneira acelerada, ora de maneira lenta, talvez, sejam  aqueles bilhões de células, cujo núcleo de vida o coloca disposto a resistir um pouco mais. Até aquele homem, com aparência desleixada, cabelos desgrenhados, boné sujo, pés calejados, quer viver. Ainda não desistiu. E, em qual parte de nós está a vontade de decidir ou a sensação de poder decidir sobre quem deve viver ou morrer? Não sei. Mas, aquele homem poderia ter sido abortado da vida. Uma força maior, claro está, ainda o impele a dar mais alguns passos, respirar um pouco mais. Independente da nossa vontade. “Adiante!”, diz a Voz. Ainda não acabou.


Dani Vipo® 06.11.2010

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