Reações contraditórias.
Ali, naquela avenida movimentada, acompanho um morador em situação de rua. Está com um carrinho, daqueles que avistamos sempre com os catadores de papelão. Em um primeiro momento, o transformo em um também. A garoa fina começa... É sábado. Pensamentos surgem nebulosos por mim e, por fim, decidem entrar. Cogito questões, para alguns, incogitáveis. Aquele homem ali parado, de repente, e eu o observo como uma gatuna, retira um copinho de plástico, deixa escorrer suavemente pelo gargalo da garrafa pet o leite mais branco que já vi e inicia o seu café da tarde, acrescentando um pedaço de pão. Sua casa, e é assim que devo chamar, está toda ela naquele carrinho, diante de mim! Seu café, seu almoço e seu jantar. Atentamente observo, ali estão também seus cobertores, logo, sua cama, como não? Minha vista arde perdida na casa alheia e o invado, mal educadamente, como se eu possuísse esse direito; como se eu me sentisse também à vontade se alguém olhasse dentro da minha casa contemplando minhas idas e vindas. Aqui me defendo: minha casa tem paredes, portões. "E daí?" Outro lado de mim se coloca como promotor. Calo as vozes. E, aí está o incogitável. Esse morador em situação de rua, penso cá com minhas marias-chiquinhas, poderia, em algum momento de sua vida, ter se sentido impelido, dado ao provável fracasso, a se jogar de sobre a ponte, em frente aos carros, ou de algum prédio público, que seja! Entretanto, milagrosamente, ele estava ali, há poucos metros de mim, lutando para sobreviver. Julgo que bem ou mal, e talvez não sejam julgamentos meus, talvez, sejam seus pensamentos que invadiram-me os meus, ele tenta sobreviver. Seus gestos mostram uma família tão complexa, composta por células de exóticas formas, lutando para que ele viva um pouco mais. Algo dentro de si o impulsiona, ora de maneira acelerada, ora de maneira lenta, talvez, sejam aqueles bilhões de células, cujo núcleo de vida o coloca disposto a resistir um pouco mais. Até aquele homem, com aparência desleixada, cabelos desgrenhados, boné sujo, pés calejados, quer viver. Ainda não desistiu. E, em qual parte de nós está a vontade de decidir ou a sensação de poder decidir sobre quem deve viver ou morrer? Não sei. Mas, aquele homem poderia ter sido abortado da vida. Uma força maior, claro está, ainda o impele a dar mais alguns passos, respirar um pouco mais. Independente da nossa vontade. “Adiante!”, diz a Voz. Ainda não acabou.
Dani Vipo® 06.11.2010
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